Miguel Ângelo

Quem sou eu

quinta-feira, novembro 24, 2005



Pedi-te cores a mais.
Lembras-te?
Limpei-te em angustia mais negro que as folhas de cartolina preta que sabemos pedir, mais negro que as nuvens prontinhas a chorar, prontinhas p’rá música que nos molha menos a ti. Um dia deixei-te rolar pelas escadas do meu andar, se é que posso chamá-lo meu, porque meu, falando de um determinante possessivo masculino singular na primeira pessoa do sujeito, só tenho as cores que me deste, reforçando em espanhol,
“Nada más”. Nesse mesmo dia em que me fugiste das mãos apanhei-te caído, sim porque poderia ter-me dado na “veneta” e ter-te deixado caído, mas se não me deu foi porque um futuro pediu ao presente momento, que um dia fosse passado, ou foi porque tive vontade de algum dia ser criado? Não me parece exagerada hipótese, mas eu planto a primeira p’ra que cresça em sintonia ao andar de evolução.
Um dia lembrei-me que havias e vesti a minha melhor fatiota, aquela que nem sabia ter, pois o desleixo foi dominante na tua ausência inconscientemente marcada. Que insatisfeita descoberta o saber que sei vestir, mas porque é que tu tens esse poder em mim? Tens direito? Porque é que estás guardado à espera de me ver envaidecer? Eu não me lembrava de ter estado assim, não me lembrava de haver algo chamado cetim que se subestimava em elegância plástica, não me lembrava da malha pormenorizada em beleza banal, não me lembrava dos toques que agora me fazes puxar, sentir. Um dia apanhei-te e o tacto activou? Olha que nem o meu bisavô me contou historietas que activassem sentidos e gostos, só grandes desgostos devido a um senhor que o meu bisavô conhecia, safado seja ele, sua graça era Amor. Não sei mais nada sobre ele, lembro-me de ver entrar sons mansos e caros em meus funis despistados enfeitados com palavras tais: “ …irás conhecê-lo um dia…”. Deixe-mos o Amor, não acho bem tentar adivinhar pessoas que não conhecemos.
Uma noite dormia, refilando a palavra, eu apenas tinha os olhos fechados e as pestanas fazendo cócegas na almofadinha do elefante, aquela dos balões que me elevavam em sonos longínquos (que saudades, não entremos por aí, a saudade dá muito que falar, pensar, estudar…). Não me quero perder, não que não tenha quem me encontre, mas falando da noite em que os olhos representavam a peça mais desperdiçadora que alguma vez assisti, essa sim foi uma noite, daquelas que recordamos com gosto de chupa em sabor preferido. Lá ia eu levantando sem acordar a lua e outras festas da noite, sentia na planta do meu quente pé contraste de temperatura invadindo o sangue que meu coração faz por aqui dançar. Dei passinhos dos brancos passando o quarto e o corredor, cheguei à sala em esplendor silencioso e abri os olhos mais e maiores. É a hora do medo pousar, da ansiedade tentar, do desejo penetrar os poros largos que vejo em meu recinto, meu humilde sitio de viagens caseiras, de bagagens tripeiras em vectores reforçados. Avancei em direcção do local que te guardas, que te fartas de saber que vou buscar sem conhecer mínimas ondas de mar bravio, olho-te nada e em menos de pouco peguei em ti e abri-te.
Sugaste-me inteiro deixando marcas de cama em vestígios de cheiro, dedadas de crime em pedidos nocturnos, pedidos imensos perdidos na bolsa que em ti me envolveu.
Unifiquei dois olhares a dois corpos falantes p’ra pedir em noite dentro…
Cores a mais…

Miguel Ângelo