Miguel Ângelo

Quem sou eu

quarta-feira, novembro 01, 2006



Abri as portas de madeira que imploravam por uma bebida já negra e banal,
A casa tremia repleta e arrepiada,
O vento corria de lado e de frente
O vento continuava entranhando-se em qualquer ranhura, nervura, buracos e aventura.
As portas abriam mais que o pedido, abriam a boca, o nariz, o ouvido…
As portas cantavam as notas que não tinham cifrões,
Os gatos miavam,
As portas fechavam,
Os gatos miavam tufões.

Abri as portas de madeira mais do que tinha pedido,
Era a força e a vontade,
Era o corpo farto,
Era estar vestido.
O chão transpirava de medo,
E o medo
Caía sobre ele escorregando pelas entranhas que o vento esculpia.
Espalhei o suor pelas paredes mais próximas,
De seguida limpei a cama com os olhos enquanto o disco rodava a velocidades alucinantes,
Até que saltou da casa giratória
E eu continuei a limpar.
Sentiam-se as queixas e agradecimentos do conjunto insólito ao cair da noite,
O tecto arrepiava-se e de repente ficava bicudo,
Apagamos o tecto e voltamos ao corpo e ao disco.
E o disco e as pernas já eram felizes, as notas sorriam, lacrimejavam ao ritmo pretendido,
O corpo ia deixando a cama e a limpeza,
Beijei o ombro e o sinal de esperança,
Foquei o alvo destino de um rasgar lento e subtil,
E fui rasgando o nipónico acento, esbanjador de tardes inúteis na contemplação de uma parede bolorenta.

Abri a porta de madeira que pingava um infindável som de sede inesgotável.
Passei por entre as pernas da senhora construção,
Mudei de amor e divisão.
Mudei de sede e senti os dedos rogados.
Era o decorrer de um filme hidráulico mesmo na ponta do meu nariz,
Um mergulho destemido impulsionado por um desejo de viajar inconstante levou-me a suster um terço da respiração,
O folgo era pouco.
O corpo não.
Agora saía do filme e a superfície claramente não terrificada era regada como as alfaces.
Pelo caminho - (As alfaces são historicamente associadas à impotência masculina, e simbolicamente associadas à morte, tudo porque:” Na mitologia Grega, a história de amor entre a deusa Afrodite e o jovem Adonis teve um fim dramático quando esse último foi morto por um porco selvagem no jardim das ALFACES no qual ele estava escondido.”)
E o meu impulso regando as alfaces?
Vestimos todos a Grécia, compramos órgãos sexuais masculinos e no esconderijo perfeito delineado com muito amor chamamos com impotência o sofrimento da morte não correspondida.




Abri uma porta de madeira que se arrastava de boca tão seca,
E não tinha terra colada nos pés.
Peguei nas tesouras insofridas e recortei os cabelos maiores,
Os bigodes dos gatos,
As unhas e os dedos, os bicos do tecto,
A roupa e o corpo,
Até o pouco das pestanas que tinha.
Mudei as setas das nuvens da casa,
A casa era o fumo da timidez da grande noite.
A noite que começara desta forma e viria a terminar com um insólito e requintado café preto.



Miguel Ângelo