Miguel Ângelo

Quem sou eu

quinta-feira, abril 13, 2006

É de mim a sugestão que diz que o texto fica muito mais delicioso ao som desta celebre música.
Ao som de Keith Jarrett - Smoke Gets In Your Eyes




Sacolejavam as folhas mal postas no centro da casa,
Sacralizavam-se as ripas de madeira já velha,
Atarraxavam-se os lençóis que pusera no varão provisoriamente,
Descoordenadamente sussurravam os ponteiros da prateleira do quarto, ponteiros que um dia achara nas bermas do tempo,
Praguejava o vento por debaixo das frágeis e antigas janelas, algumas que alguém marcara os gritos do sol,
O bicho do artista de cima fugia de rompante ao audível som que fizera a vassoura ao cair,
Ressonam veludos que forram e peneiram este cadeirão da sala, este que encandeara o clima neutro da casa, banhado nos cinzentos d’Inverno, com vermelhos garridos variados na sombra, que faço e fizera vastamente.
Se eu não me instalasse, eu não amolgara a brilhante esponja que sinto afundar, eu não viajara, sentira, muito menos respirara miseravelmente sozinho. Deixei-me ficar massacrado em pormenores, bagagens perpétuas, petulantes souvenirs.
Se eu daqui proviesse, eu não recordara naufrágios carnais, nódoas escritas, impulsos raiados em negro, não recordara os vultos que sofrem, me assombram, arrombam as portas que restam.
Instalei-me no acento contraste, agora sim, sou contraste à multidão. Os membros pendem sobre o tecido e a luz recordara um efeito tenebroso, o vento arrepiara-me o corpo e o bicho do artista percorre-lhe as rugas …



Miguel Ângelo